Dia desses recebi em meu escritório uma cliente pedindo orientação legal para a confusa situação na qual ela se metera. E põe confusa nisso! Se um caso semelhante fosse visto nas telas da TV, as pessoas com certeza comentariam: “Só mesmo em novela”. Contudo, fatos como esses mostram que a vida real pode ser mais inacreditável do que qualquer trama nascida da imaginação de um criativo novelista.
A moça começa dizendo que seu casamento era cheio de altos e baixos. Às vezes ela e o marido estavam juntos, às vezes brigavam e cada um ia para o seu canto. Num desses afastamentos, ela teve um caso com outro homem e ficou grávida. O amante a abandonou e o marido retornou, propondo que o casamento fosse retomado. Ele se ofereceu para assumir a criança e assim o fez, registrando-a com seu nome. Passado algum tempo, porém, o casal decidiu se separar outra vez – agora de forma definitiva. O marido disse que, como a menina recém-nascida não era de fato sua filha, ele não pagaria pensão alimentícia nem daria qualquer tipo de ajuda financeira. Nesse momento de grande desespero para a moça, a sogra se oferece para cuidar da criança até que ela possa organizar sua vida. E lhe pede que assine um documento, para que possa tomar conta da menina adequadamente. Aliviada, a moça concorda, mas logo descobre que tudo não passava de uma maligna tramóia da sogra vilã. “Você assinou um documento passando a guarda ‘definitiva’ da menina para mim e, com isso, perdeu o direito de ver sua filha”, disse-lhe a sogra. Eis que nesse momento de grande intensidade dramática – se fosse novela, a audiência estaria nas alturas – entra em cena o pai biológico da criança. Ele afirma que quer reatar o relacionamento com nossa heroína e assumir a filha. O que fazer? – Pergunta-me a aflita leitora.
Para começo de conversa, o ex-marido não poderia ter deixado a criança desamparada. Ele tem, sim, o direito de contestar a paternidade da menina. Mas até que seja provado que não é o pai, cabe a ele pagar pensão alimentícia à criança. Afinal, por enquanto, é o nome dele que consta na certidão de nascimento. A atitude da sogra, então, é um absurdo legal. Não existe nenhuma guarda “definitiva”. A qualquer momento, a mãe da menina pode entrar com uma ação judicial requerendo a guarda da filha. Por fim, ao pai biológico cabe o direito de entrar com uma ação de reconhecimento de paternidade. Depois de provar que ele é de fato o pai, a certidão de nascimento da pequena poderá ser alterada. Com isso, a protagonista dessa história se encontraria em uma peculiaríssima situação na qual o ex-marido move uma ação para provar que não é o pai da filha dela ao mesmo tempo em que o amante move outra ação para provar que é o pai. Estranho, mas absolutamente possível.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas” – da Mescla Editorial