Indenização por gravidez da cachorrinha

PODER JUDICIÁRIOSÃO PAULO
Proc. 1697/88.

SENTENÇA

1. Trata-se de ação de rito sumaríssimo proposta por Sheila de Albuquerque Bierrenbach contra Cão-de-Ló Artigos Caninos, objetivando indenização de prejuízos que a ré culposamente lhe causou.

Diz que no carnaval deste ano hospedou sua cadela Aretha no Cão-de-Ló e os tratadores não evitaram que um macho tivesse contato com ela, provocando indesejada prenhez.

Reclama a autora as despesas do parto (cesariana), de consulta veterinária e de radiografia, que montam a Cz$ 45.000,00. Pretende também ressarcimento de perdas e danos pela desvalorização da linhagem nas duas ninhadas seguintes.

Com a inicial, documentos (fls. 5 a 16). Diz a ré que a culpa não é sua, é da autora que deveria ter comunicado que a cadela estava no cio. Fizesse isso e Aretha teria sido posta em gaiola fechada.Foi a autora que escolheu o local em que ficaria a cachorra.

A ré se dispôs a vender os filhotes, mas a autora não se manifestou. A contestação trouxe documentos (fls. 43/49). Vã a tentativa de conciliação (f. 33). As partes prestaram depoimento (fls. 36/37v.), duas testemunhas depuseram (fls. 38/39v.) e os advogados debateram a causa (fls. 33/34v.).

2. Areth of Norte Lake nasceu, em 19 de outubro de 1979, numa terra de sonhos e fantasias, Brasília. Veio para São Paulo, lugar onde os sonhos se alternam com a pesadez do dia a dia e as fantasias de cada um não vestem outra máscara nem no carnaval.

Por isso Aretha não tinha uma clara idéia do que é carnaval. Sabia que eram uns dias em que as pessoas mudavam um pouco o comportamento, como na semana santa. Não tinha motivo para concordar com Júlio Camargo, que sofismara:

?O carnaval é uma amostra, na terra, de como será o inferno no céu?.Não gostava de carnaval, de semana santa, de semana disso, semana daquilo. Percebeu que era o carnaval de 1988 quando viu em casa aquela agitação que antecede uma viagem… e seus retiros. E lá se foi para mais um. Não levou sonhos e bagagens, malas e fantasias. Levou os encantos que fazem perpetuar a vida.

Atirou-os, como se atira inapelavelmente um lencinho branco, ao vizinho de cela e entre eles aconteceu sem ai e au o velho diálogo de Adão e Eva que Machado de Assis flagrou entre Brás Cubas e Virgília.

O primo de Snoopy não resistiu e, porque ?a carne só é fraca enquanto pode ser forte? (Mauro Mota, ?Antologia em Verso e Prosa?), o muro não foi obstáculo para os saltos de seu coração. Foram felizes, carnavalescamente felizes. Hoje Aretha vive feliz com os filhos e deles não se quer apartar, que ?nenhum filho entre os filhos é demais? (Nestor Vítor, ?As três Garças?).

Tem idéia mais alegre do carnaval e espera chegue logo o próximo, embora não tenha sido a respeito dela que Maiakovsky escreveu: ?Dizem que em alguma parte – parece que no Brasil ? existe um homem feliz?. Mal sabe que depois do acontecido os cuidados para que não cruze indevidamente serão redobrados.

É que a doutora Sheila, do ângulo estritamente humano e com toda a razão, não aprovou a gravidez de Aretha e quer ressarcir-se das despesas que teve.O Cão-de-Ló, cujo nome sugere a melhor das hospitalidades, não se exime da obrigação de indenizar, por provar que Sheila não lhe avisou do cio da ilustre hóspede (sua certidão de nascimento dá inveja a muito quatrocentão).

Ficou demonstrado que o período fértil das cadelas não é tão facilmente identificado. Por isso, nem todo dono de cachorra o conhece e não é razoável exigir dele a iniciativa da informação, até porque, em princípio, pode o cio surgir durante a estada no canil. Quem deve melhor conhecer cães são os trabalhadores do canil.

Se a informação não foi prestada, deve tê-la prestado a agitação dos machos desassossegados pelo perturbador aroma de Aretha. Um veterinário disse em audiência que é o macho que identifica a cio da cadela. Qualquer menino sabe que cachorro não espera hora nem escolhe lugar diante da Fêmea fértil, age justamente de maneira oposta à dos humanos.

Poderiam os tratadores prever o que ia acontecer;não previram. Por não terem previsto o previsível, agiram com culpa. A responsabilidade da ré decorre da culpa de seus empregados.(Os cachorrinhos se amando e nós, cachorrões, julgando. Na poesia, Bandeira, vou acabar me agarrando).

As despesas relativas à consulta, à radiografia e ao parto estão comprovadas. As atinentes à desvalorização da linhagem, não (cf. depoimento do veterinário).

Em face do exposto, julgo procedente o pedido para condenar a ré ao pagamento, à autora, de Cz$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil cruzados) corrigidos monetariamente desde 29.7.88 e acrescidos de juros de mora calculados desde 29.8.88. A ré pagará as custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em quinze por cento da condenação.

P.R.I.

São Paulo, 19 de outubro de 1988.

ANTONIO VILENILSON VILAR FEITOSA
Juiz de Direito