Embora proibida em boa parte do território nacional, a caça continua sendo uma prática habitual em nosso interior. Caçam os moleques, com estilingue e pelotas de barro, o indiozinho atira com bodoque, imitando o arco e flecha dos mais velhos, diverte-se o caipira com sua espingarda de chumbo. Tudo isso para não falar de mais caçadas mais grossas, como as matanças da onça, jacaré e outros bichos.
O caso dos outros era de uma caçadinha inocente, no capão de mato que bordejava a casa de pau a pique de um tal de Zé Fandango, morador nas redondezas de Joanópolis, lá pelas bandas do pico do Lopo, comarca Piracaia.
Como costumava fazer nas tardes de sábado, espingarda às costas e piquá do lado, lá foi ele à cata de umas rolinhas gorduchas ou de apetitosa juriti, quem sabe um nambu para o regabofe de domingo.
Cuidadoso e matreiro, foi se esgueirando devagar por entre as ramagens, tomando cuidado com o cano da arma, para evitar disparo acidental. Um pio daqui, bater de asas no topo da aroeira, mas nada de passarinhos à vista. Parecia que as espertas aves se acautelavam ante o perigo iminente…
Nesse vai não vai, o caipira já cançado da caça esquiva, de repente tem sua atenção despertada para um roçar de folhas no arbusto em frente. É agora, pensou, no aguardo de que o pássaro levantasse vôo, ao alcance de sua mira. Corpo agachado, dedo ao gatilho, soltou chumbo contra o vulto à sua frente, antes que o perdesse de vista.
Acertou em cheio e correu à busca do preciso troféu. Porém qual não foi sua desilusão, logo transformada em espanto e medo, ao ver que levantava, uivando de dor, calças arriadas e mão no trazeiro, um seu vizinho que, por costumes de roça, tinha procurado conforto atrás daquele pé de moita.
Por felicidade, não houve morte nem ferimento grave. Respondeu o Zé por lesões culposas de natureza leve, e acabou condenado pela atuação imprudente. Na audiência do ?sursis?, fez questão de prometer ao Juiz que nunca mais ia atirar, por mais abundante que fosse a caça.