CASAMENTO RELIGIOSO: NULIDADE
Só gente muito chique e abonada como, digamos, Caroline de Mônaco, consegue a anulação de seu casamento religioso, certo? Errado. Para início de conversa, não existe a anulação do matrimônio católico – o que existe é a nulidade. E há muito tempo isso deixou de ser privilégio dos bem-nascidos. Só no Brasil, os tribunais eclesiásticos – órgãos da igreja católica encarregados de julgar essas questões – recebem, por ano, cerca de 2.600 ações pedindo a nulidade de casamentos religiosos. Desses pedidos, 95% são concedidos dentro de um a três anos, a custos que variam de um a sete salários mínimos. Ou seja, a maioria de nós, meros plebeus, pode pleitear a nulidade –até quem já é divorciado. Essa mudança veio no rastro de dois grandes avanços. O primeiro foi a resolução da igreja católica de transferir os julgamentos dos pedidos de nulidade, que antes só podiam ser feitos em Roma, para os tribunais eclesiásticos. O segundo foi a reformulação do Código de Direito Canônico – o conjunto de leis da igreja –, que ampliou os motivos aceitos para a nulidade.
Contudo, é importante deixar claro que a nulidade de um matrimônio religioso nada tem a ver com a nulidade ou com a anulação de um casamento civil. Pelo menos no Brasil, as duas coisas são completamente diferentes. O casamento civil, aquele que é realizado no cartório, é regido pelo Código Civil Brasileiro. Dependendo de certas condições estipuladas por lei, o casamento civil pode ser declarado nulo – ou inexistente – quando impedimentos muito graves são infringidos (caso da bigamia e do incesto). Em outras situações, como por exemplo, quando um cônjuge descobre que o outro exerce atividades criminosas, o casamento civil não é nulo, mas anulável – isto é, sujeito à anulação. Seja nulo ou anulável, o processo referente ao casamento civil só pode correr na justiça civil. Os motivos aceitos pela igreja para a nulidade do matrimônio religioso e pela lei, para a nulidade ou anulação do casamento civil, não são necessariamente os mesmos, e suas conseqüências também são distintas. A ação civil afeta, entre outras coisas, a partilha dos bens e a guarda dos filhos. Já a ação que corre nos tribunais eclesiásticos não tem nenhum valor legal. Seu efeito se dá apenas na esfera religiosa – como a possibilidade de casar na igreja com outra pessoa depois que o casamento anterior for declarado nulo.
“O matrimônio é um dos sacramentos da igreja católica. Portanto, não pode ser anulado. Mas pode ser considerado nulo ou inexistente se o tribunal eclesiástico entender, por exemplo, que os noivos não estavam preparados para o sacramento”, explica o padre Juarez Pedro de Castro, secretário de Comunicação da Arquidiocese de São Paulo. Por esse motivo, é um equívoco falar em anulação do casamento religioso. Como se viu, trata-se de nulidade, e não de anulação.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas” – da Mescla Editorial