É conhecido o provérbio romano de que a mãe é sempre certa mas o pai é incerto (mater semper certa est, pater autem incertus).
Para reduzir essa incerteza do vínculo parental, o Código Civil, artigo 1.597, dispõe que presumem-se concebidos durante o casamento os filhos nascidos pelo menos 180 dias depois de iniciada a convivência, ou nos 300 dias depois de sua dissolução, bem como os havidos por reprodução assistida em suas diversas formas, como a fecundação artificial homóloga (sêmen do pai) e a inseminação heteróloga (sêmen de outro) desde que tenha havido prévia autorização do marido.
O Código silencia sobre os filhos havidos nas mesmas circunstâncias, em casos de união estável.
Vem daí o trato da matéria no Projeto de Lei nº 3.561/2021, em tramitação na Câmara Federal. Sua previsão é de que a mesma presunção legal de filiação ocorre nos casos de família constituída sob a forma de união estável, regulada nos artigos 1.723 e seguintes do Código.
O projeto tem nítido caráter igualitário dos filhos, atendendo à regra do artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, com repetição no artigo 1.596 do Código Civil.
Assim, a presunção de concepção dos nascidos em determinado prazo depois de estabelecida a convivência familiar, ou depois de sua dissolução, assim como aos casos de concepção por técnicas de reprodução assistida, é de ser confirmada na lei civil para atender ao tratamento equânime dos filhos, qualquer que seja a sua origem.
Note-se que a igualação entre casamento e união estável estende-se por outros preceitos do Código Civil, como no caso da prestação de alimentos (artigo 1.694), de regime da comunhão parcial de bens se não houver disposição contratual em contrário (art. 1.725) e da sucessão hereditária, com aplicação do disposto no artigo 1.829, em revogação do artigo 1.790 por seu caráter discriminatório, como decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE 878694.
Cabe acrescentar que a mesma igualação se aplica a outros disposições legais, como sucede no artigo 1.601, que restringe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, passando a valer também ao companheiro.
Por fim, cabe lembrar precedentes da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.195.059, de 6.11.2012, e no REsp 440394 (RT 814/193 – anotados em Código Civil, ed. Saraiva, 2019, em rodapé aos artigos 1.597 e 1.601), dando conforto à sistemática proposta no PL em questão. no sentido de tratamento equiparado das relações familiares, não importa a forma de sua instituição.
Euclides de Oliveira – 27 de março de 2022.